sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Horácio Diopterias escreve sobre: O bicho-papão ou "papão"

Proponho criar um salutar e profícuo espaço de análise detalhada e sistemática sobre os habituais habitantes das repones.
Hoje trago à colação o BICHO-PAPÃO.
Esta personagem a coberto do manto do profissional devoto e precavido face às intempéries do mundo e de carácter de personalidade eminentemente altruísta, alerta os demais convivas para os hipotéticos perigos remotamente eventuais das diferentes tomadas de decisão em curso.
Assume uma posição discreta, eventualmente num canto menos iluminado, a sua indumentária caracteriza-se pela descrição, usualmente o beje escuro dialoga com o castanho claro. Para si a ideia de sapato é sobreponível a uma porção uniforme e amorfa de pele tendencialmente preta - sem brilho.
A sua intervenção é essencialmente curta, cruzando referências a normas, directrizes e leis de consequências pouco claras, mas desconfiavelmente temíveis,  com referências a informações classificadas de proveniência desconhecida, mas aparentemente sedeadas nas altas esferas organizacionais, decorrentes de ligações informais, pessoais e não praticáveis pelos outros mortais, a essas entidades.
Os resultados das suas intervenções não são claros. Pensa-se que tem um impacto ligeiramente potenciador, leia-se paralizador, da dinâmica da repone, na medida em que, dada a vaguez e vacuidade da sua participação, apenas incute nos seus próximos, pruridos insconscientes, desconfortos subjectivos e um grau moderado de obstipação.
Ainda assim, o Bicho-Papão consegue manter um estatuto de elemento de elevado valor no grupo de trabalho, estimando-se que cada intervenção sua apenas necessita em média de uma tentativa de entrada na discussão, não estando sujeito às habituais tentativas de frase-iniciada-dez-vezes-sem-sucesso, dedo-no-ar, tossir, gritar, esbracejar ou fazer-birra.
Na realidade esta personagem, psicanaliticamente (é bom dizê-lo), não passa de um insuflado bébé a quem os primevos cuidadores não souberam proporcionar um entorno minimizador da insegurança ontológica Giddeana.

NOTA: "O bicho-papão ou "papão" é um ser imaginário da mitologia infantil portuguesa e brasileira, mas também surge no resto da península Ibérica, como na Galiza, na Catalunha e nas Astúrias. O bicho-papão é a personificação do medo, um ser mutante que pode assumir qualquer forma de bicho, um ser ou animal frequentemente de aspecto monstruoso comedor de crianças, um papa-meninos. O bicho-papão está sempre à espreita e é atraído por crianças desobedientes."
IN: Diopterias, H. (2011) Mitos da infância moderna. Editora académica. Lisboa

Horácio Diopterias (PhD)
Eminente Sociólogo das coisinhas mundanas do quotidiano.
Doutorado em análise de reuniões pela Universidade de Patópolis, e Professor convidado na Universidade Estatal de Colombo (Sri Lanka)

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